domingo, janeiro 10, 2010

EDUCAR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO [1]

São inúmeros os problemas enfrentados pelo povo brasileiro que parecem não obedecer a critérios de prioridade das ações para sua solução. No entanto, nenhum deles nos parece mais grave que o da esfera educacional, uma vez que, talvez, venha a ser o mais preterido.

Evidência disso é que, só no apagar das luzes de 2009, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 59 que torna o ensino para crianças entre 4 e 17 anos gratuito e obrigatório, faixa etária que anteriormente ficava entre 6 e 14 anos. A Emenda também propunha o fim da DRU – Desvinculação de Receita da União. O que isso significa?

Significa que na década de noventa, o governo FHC, priorizou universalizar apenas o que se chamava de ensino de 5ª a 8ª série, deixando em segundo plano os, então denominados, ensino primário (1ª a 4ª série) e segundo grau (1º ao 3º ano).

Agora, com a Emenda Constitucional nº 59, o que antes estava excluído, ou fragmentado, dispersado, passou a ser preocupação do governo Lula, interesse que, em que pesem alguns de seus desacertos, esse governo demonstrou ter. Ou seja, é mantida a idéia de universalizar também a pré-escola e o (atual) ensino médio. Com isso, os pais serão obrigados a matricular suas crianças na escola, a partir dos 4 anos e o poder público municipal e o estadual deverão criar condições para garantir a oferta de educação infantil pública, gratuita e de qualidade, e excluída a exigência de exames de seleção. A Emenda fixa prazo até 2016 para que todas as crianças de quatro anos sejam obrigadas a estar na escola.

No Brasil, faltou investimento para a educação em geral, durante todo o século XX. Desde 1994, a Desvinculação vem retirando 20% do total dos recursos arrecadados dos principais tributos que deveriam ser destinados, obrigatoriamente, à educação. Com a Emenda, o fim do mecanismo será gradual: 12,5% em 2009, 5% em 2010, até sua extinção em 2011. Assim, serão cerca de R$ 9 bilhões a mais, injetados no orçamento da educação já em 2010. Mas é preciso que os recursos cheguem a Estados e municípios, que têm atribuição sobre a pré-escola.

Um brevíssimo resgate histórico sobre o investimento público em educação básica, aponta que no ano 2000 foram investidos apenas 3,9% do PIB; em 2001, 4% e em 2002, 4,1%. De 2003 até 2005, essa porcentagem caiu para 3,9%; em 2006 para 4,4% e em 2007 estava em 4,6%. Para o Ministro da Educação, Fernando Haddad, o ideal seria atingir 6% do PIB; entretanto, para a representante do Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) no país, Marie-Pierre Pirier, “o Brasil precisa investir pelo menos 8% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação, para conseguir reverter as desigualdades de acesso e [resolver][2] os problemas de qualidade que ainda persistem”. É, amigo leitor, alguém errou; o tradutor ou a representante: veja que reverter desigualdades está correto, mas reverter problemas, nesse contexto, é equivocado; o correto seria solucionar, ou resolver problemas.

Dados do PNAD/IBGE 2008 revelam que 97,5% dos alunos entre 6 e 14 anos estão matriculados na escola, e que 84,1% dos alunos entre 15 e 17 anos estão no ensino médio; o desafio para a universalização do ensino médio vem se mostrando uma realidade.

No entanto, a verdade, hoje, é que um em cada 10 jovens de 18 anos não sabe ler nem escrever sequer um bilhete simples. São 14,2 milhões de analfabetos na faixa etária de quinze anos ou mais. Desses, mais de 50% estão no Nordeste, ou seja, 7,5 milhões de pessoas, entre as quais 29,2% são de mulheres e 34,3% de homens. O Maranhão está inserido nessas desanimadoras estatísticas. Por isso, ações urgentes precisam ser levadas a termo, pelo menos para minimizar o problema.

Um fato positivo é que o estudante brasileiro aumentou seu tempo de estudo em 2% de 2007 para 2008, passando a ficar 7,1 anos nas instituições de ensino, o que equivale a um acréscimo de 40 dias letivos (mais ou menos dois meses de estudo), porém, o ideal seria passar 10 anos na escola, a exemplo do que acontece no Chile, país no qual os cidadãos passam 10,9 anos na escola, no Peru (10,6 anos) e na Argentina (10,5 anos). Já, no Nordeste, o tempo de estudo é de apenas 5,9 anos, dado extremamente significativo para se exigirem políticas públicas que visem a melhorar a qualidade do ensino/aprendizagem em nosso Estado.

Como se pode observar “nuestros hermanos” estão em melhores condições que “nosotros brasileños”. Aliás, os países latino-americanos estão também melhor posicionados no IDH - Índice de Desenvolvimento Humano - que nós. Das 182 nações, o Brasil caiu do 70º para o 75º lugar em 2008, enquanto o Chile está muito bem no 40º lugar e a Argentina no 46º. Sabe por que, amigo leitor? Porque lá o investimento em educação é maior e o combate ao analfabetismo é prioridade. Além disso, há políticas públicas para se ampliar a cobertura dos serviços de abastecimento de águas e saneamento e, assim, favorecer o aumento da expectativa de vida de crianças e adultos.

A exibição de tantos índices percentuais teve por propósito explicitar que, sem investimento em educação, não será possível ao nosso país ascender a melhores posições no ranking do IDH porque, Desenvolvimento Humano “é o alargamento da liberdade das pessoas viverem as suas vidas da forma que escolherem”, conceito que consta no texto do 1º Relatório de Desenvolvimento Humano, em 1990.

Pelo visto, realmente, educar é preciso, viver não é preciso.

CIEGLINSKI, Amanda. Unicef recomenda que Brasil invista 8% do PIB em educação. Disponível em: <

http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/06/09/materia.2009-06-09.2772672858/view>. Acesso em: 1 jan. 2010.






[1] Título forjado à imagem do lema da Escola de Sagres, “Navegar é preciso, viver não é preciso”, criado pelo Infante Dom Henrique, de Portugal, para mostrar a relevância das viagens de exploração naquela época: é mais importante navegar/explorar do que viver. Exemplo das viagens da época foi a expedição de Pedro Alvarez Cabral, durante a qual “descobriu” o Brasil.

[2] O símbolo [ ] com uma palavra inserida, quer dizer inserção de correção de língua, já que no texto original faltou o verbo para combinar com a palavra problemas.



Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 10/01/2010.

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