domingo, agosto 09, 2009

PLATÃO, MAQUIAVEL E A ARTE DE GOVERNAR

Discorrer essa questão exige as leituras de A República e de O Príncipe. Para Platão, poucos têm capacidade para governar apesar de muitos o desejarem. Dentre os pretendentes, ele eliminou os escravos, a maioria dos homens livres, os pertencentes aos setores intelectualizados e também um grupo bizarro que ronda o mundo da política (esses sempre existirão). Para ele, o Rei competente desenvolve a atividade política como um bom tecelão, ou seja, sabe misturar o tecido maior e melhor com o menor e o pior; em outras palavras, procura equilibrar os fortes e poderosos com os fracos e indefesos. O homem sábio, o filósofo, é o único habilitado para tal mister, afirmou Platão.

Platão não era defensor do regime político democrático por acreditar que as massas jamais conseguiriam, por serem incapazes, de se apropriarem da ciência da política. Não há dúvida de que o discurso de Platão surpreende à primeira leitura, porém, suas palavras parecem-nos incorporadas ao discurso de alguns parlamentares que conhecemos. Uma vez no poder, no entanto, tornam-se indiferentes ao aspecto moral, achando que podem exilar, executar, fazer o que lhes convier, seguindo o pensamento apontado por Maquiavel tempos depois, no Renascimento, de que os fins justificam os meios. A grande diferença do tempo de Platão para hoje é que se objetivava a justiça, harmonizar os opostos. Essa meta maior foi esquecida, enfraqueceu-se, esmaeceu-se.

Os atributos do Rei competente apresentados por Platão são: a estratégia (arte militar), a magistratura (arte de praticar a justiça) e a retórica (arte de discursar), que são interdependentes e compõem a ciência política que visa a unir a sociedade num só tecido perfeito. Quanto àqueles que são chamados de maus elementos, o filósofo sugere que sejam confiados aos educadores competentes para instruí-los ou, se houver fracasso, que sofram a sentença de morte.

Maquiavel apresenta muitas recomendações polêmicas e discutíveis porém, aqui enfatizaremos aquelas aplicáveis à Administração pública e a seus agentes.

O filósofo italiano defendia um regime republicano calcado em valores democráticos e populares e não uma república de caráter aristocrático. Ele afirmava que o regime republicano, de qualquer maneira, tinha maior chance de resistir à corrupção, porque vários homens exercem o poder, o que significaria a descentralização do poder e, consequentemente, uma variação constante e garantia de qualidade. Ah, meu caro Maquiavel, se você estivesse vivo hoje teria que rever sua tese, pois a corrupção tem brotado exatamente onde impera a reunião de homens, de parlamentares!

“[...] Os Estados bem organizados e os príncipes judiciosos têm que não aborrecer os poderosos e satisfazer o povo, mantendo-o satisfeito, porque, aqui está uma das mais importantes questões que se apresentam a um príncipe” [...] (p.86). A esta altura, convém considerar, conforme Maquiavel, que em todo Estado há basicamente dois interesses em conflito, o dos ricos e o dos pobres. É da oposição desses interesses que nascem quase todas as disputas políticas na cidade e cabe ao governante ficar atento a isso para que não ceda aos interesses dos grandes e oprima o povo. Quando isso ocorre, ou o governante fica refém desse pequeno grupo político ou perde o poder, pois não tem mais o apoio do povo. Dessa oposição obtêm-se como resultado a criação de leis ou instituições políticas para a defesa dos direitos, ou melhor, para a defesa da liberdade e do bem comum da cidade, representando um freio para a ambição demasiada dos grandes.

“O que mais contribui para que um príncipe seja estimado é a realização de grandes empreendimentos e a prática de atos edificantes” (p.97). É dever do Estado promover o bem estar social de todos, independente da classe social a que pertença, mas a classe média brasileira tem pago um preço altíssimo em impostos, o que contraria a fala de Maquiavel, quando afirma que “um príncipe deve ser comedido nos seus gastos para não ter que roubar seus súditos”(p.77). Um bom exemplo de contradição a esse discurso de Maquiavel seria a farra da compra das passagens aéreas, lembra-se amigo/a leitor/a? Pois bem, é por essas e outras que não vemos o que pagamos em impostos ser revertido em gastos com a saúde, educação, segurança, estradas, o lazer...

Àqueles que estão na base da pirâmide social deveria ser oferecido muito mais do que bolsa disso bolsa daquilo; falamos de oportunidade de conquistar dignidade e cidadania, através do fruto de seu trabalho, do desenvolvimento de suas habilidades e competências para não se criarem dependência, subserviência e obediência em ano eleitoral. Há que se ensinar a pescar, dar a vara e não o peixe, para não criar um círculo vicioso. Aos nossos filhos, querermos, essa educação – de independência! O Rei competente deveria fazer o mesmo. Onde estão e como são executados os atributos interdependentes acima mencionados?

Platão, discípulo dileto de Sócrates e o florentino Maquiavel do século XVI apresentaram contribuições ricas para quem ocupa cargos públicos e que estão políticos, digo estão e não são, mesmo lembrando dos que se perpetuam no poder, gerando vícios e acomodações.

A palavra República é de origem latina res publicae = coisa pública e chama a atenção para o bom uso, em favor da coletividade, daquilo que é público e como tal precisa ser zelado de forma honesta, responsável, ética e transparente, sem favorecimentos, clientelismos, fisiologismos enfim. Quando da investidura no cargo, os políticos estão a nos representar, a falar (parlar) e decidir por nós que os elegemos. Mesmo quando não escolhemos diretamente um representante, como é o caso do presidente do Senado ou da Câmara, Ministros, Secretários de Estado e de Municípios, Presidente de Assembléias Legislativas ou Câmara de Vereadores, indiretamente eles têm o nosso aval. Mas, há um peso enorme sobre os ombros de cada um dos parlamentares. Será amigo/a leitor/a que eles já se deram conta de que devem se empenhar para se manterem no poder através da própria capacidade de bem administrar, sem perderem o foco de seu trabalho, o interesse público, mas sempre respaldados pelos princípios básicos da Administração Pública, da moralidade, impessoalidade, legalidade, publicidade e eficiência?

No cenário político nacional, é com tristeza que vimos acompanhando os desmandos com a coisa pública e, se Maquiavel não tivesse sido lido às avessas, algumas lições preciosas teriam sido aprendidas com ele, como esta, por exemplo, “[...] de um príncipe devem emanar ações de grandeza, coragem, ponderação e energia, e no que tange aos interesses privados de seus súditos, [deve ele] tomar decisões irrevogáveis [...]” (p.85). Têm feito falta as decisões irrevogáveis na “Casa dos escândalos”, em Brasília; o parlar dos poucos senadores que não compactuam com o ilícito precisa ser materializada nas investigações e punições aos envolvidos.

Acredito que Foucault, através da sociedade disciplinar, tinha a receita para a minimização da prática de delitos. Essa sociedade disciplinar era caracterizada por um modelo próprio de organizar o espaço, controlar o tempo e obter um registro ininterrupto do indivíduo e de sua conduta. Do ponto de vista do exercício do poder, essa sociedade se caracterizaria por implantar o que Foucault chamava de “poder panóptico”, vigilância contínua, plena dos indivíduos. Assim, em vez de punir um indivíduo que praticasse qualquer ato ou infração, suas ações seriam previstas, antevistas pelo sistema. Essa prática nos lembra, caro/a leitor/a, o que acontece nas empresas privadas – auditoria em tempo real. Isso mesmo, é o que está faltando nos parlamentos brasileiros. Os TCU e TCE’s não parecem agir em tempo real!

Lembro-me do tempo em que era bancária e quando havia uma auditoria, analisava-se detalhadamente cada documento e quando encontravam falhas, ‘cabeças rolavam’, digo, demissões aconteciam. Nas empresas privadas tudo flui mais rapidamente: a descoberta de erros gera punições imediatas. Já na Administração pública, a tecla slow é a que é acionada; se erros forem encontrados, raramente ocorrerão punições, até porque há outras saídas como a renúncia, por exemplo, a servir de atalho para aqueles que delinquiram e querem a todo custo garantir seu futuro político. Os que estão na base da pirâmide social, no cabresto, materializam, através do voto o retorno desses que renascem das cinzas, verdadeiros fênix para se perpetuarem no poder. Fiat Lux! A educação é o caminho.

Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 09/08/2009.

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