domingo, outubro 11, 2009

A INFLUÊNCIA NEOLIBERAL NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A AMÉRICA LATINA

Para entender a política educacional praticada na América Latina faz-se necessário analisar e discutir questões econômicas, políticas e sociais fazendo-se inclusive uma retrospectiva histórico-crítica a partir da crise capitalista de 70.

Naquele período vários países capitalistas abatidos pela crise econômica evidenciada pela inflação acelerada, desemprego e baixo crescimento econômico atacaram, com discurso neoliberal, o Estado de bem estar social que procurava estabelecer relações profundas entre o desenvolvimento social e o econômico, através de estratégias de ação no campo político. Essas estratégias propunham basicamente o pleno emprego para aumento da renda, do consumo e da produção e poderiam se dar de forma direta através da política salarial e do projeto de pleno emprego e indiretamente através dos serviços sociais, políticas públicas como de aposentadorias, pensões, seguro desemprego e regulamentação das condições de trabalho, como as leis trabalhistas a cargo do Estado.

Para o neoliberalismo, os gastos em serviços sociais aumentam o trabalho improdutivo e criam assalariados dependentes do excedente gerado pelos setores produtivos, burocráticos, com estabilidade no emprego o que acarreta a falta de competitividade. Assim, o neoliberalismo propõe a substituição do Estado de bem estar social pelo Estado mínimo, isto é, devolve ao indivíduo o poder de decisão econômica e social, garantindo a eficácia das instituições públicas e uma das estratégias é a privatização dos setores públicos que, teoricamente, diminui os gastos do Estado e incentiva a livre competição de mercado.

Dando ênfase à ineficiência e a insuficiência dos setores públicos, os meios de comunicação se encarregam de mostrar o êxito da iniciativa privada e a política privatista vê-se justificada como necessária para a eficiência da máquina administrativa do Estado para a diminuição do déficit e para a democracia. A privatização estende-se até às empresas que prestam serviços básicos como saúde, previdência social, transportes, telefonia etc.

A irrupção das idéias neoliberais na América Latina acompanha os governos militares instaurados na década de 70 na maioria dos países do Cone Sul (Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil - parte sul) nos quais por outro lado se vivia uma severa crise econômica como resultado das contradições interna e externa dos modelos econômicos.

O discurso neoliberal quanto à política educacional deixa de ser parte do campo social e político para seguir a lógica de mercado, restringindo a ação do Estado à garantia da educação básica, deixando os outros níveis de ensino sujeitos às leis de mercado.

Descentralização, qualidade total, eqüidade, reforma curricular, modernização da escola, adequação do ensino à competitividade do mercado internacional, incorporação das técnicas e linguagens da informática e da comunicação, produtividade essas são as palavras de ordem do discurso neoliberal para a educação.

Entre as teorias coincidentes com a filosofia neoliberal identificamos a Teoria do Capital Humano, que por sua perspectiva economicista, atribui à educação o condão de sustentação da competitividade nos anos 90. Essa teoria incorpora em seus fundamentos a lógica do mercado e a função da escola se reduz à formação dos recursos humanos para a estrutura de produção. A teoria do Capital Humano foi desenvolvida na década de 60 por dois economistas, Theodore Schultz e Gary Becker e de forma resumida prega que um país é alavancado pelo investimento em pessoas.

Embora não haja no Brasil o Estado de bem estar social, a retórica neoliberal é a mesma. Atribui à participação do Estado em políticas sociais a fonte de todos os males da situação econômica e social tais como a inflação, a corrupção, o desperdício, a ineficiência dos serviços, os privilégios dos funcionários. Defende uma reforma administrativa, fala em reengenharia do Estado para criar um Estado Mínimo, afirmando que sem essa reforma o país corre o risco de não ingressar na nova ordem mundial.

Com o esgotamento do regime militar e a crise de 80, a iniciativa privada ganhou força através da mídia que divulgava a incompetência administrativa do Estado e a excelência do setor privado.

A concorrência de mercado trouxe a algumas escolas uma mudança nas suas relações transformando quem ensina num prestador de serviço, quem aprende no cliente e a educação num produto a ser produzido com alta ou baixa qualidade. Essa lógica de mercado desfavoreceu ainda mais a escola pública visto que qualidade requer recursos e as escolas particulares tinham a subvenção do Estado.

As preocupações acerca da formulação de uma proposta de educação internacional para América Latina e Caribe tiveram início em uma conferência de ministros da educação ao final dos anos 70 e início dos anos 80, quando esses ministros juntamente com os da economia fundaram o comitê regional intergovernamental que delineou o Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe - PROMEDLAC, cujo órgão de divulgação foi financiado pela UNESCO/OREALC.

Enquanto o liberalismo político clássico colocou a educação entre os direitos do homem e do cidadão, o neoliberalismo promoveu uma regressão da esfera pública, na medida em que inseriu a escola no âmbito do mercado e das técnicas de gerenciamento, esvaziando assim o conteúdo político da cidadania, substituindo-o pelos direitos do consumidor.

O Brasil tem hoje cerca de 16 milhões de analfabetos e mesmo com iniciativas do tipo Mobral e Alfabetização Solidária já se estima que em 2015 não atingirá a meta de redução de 50%. O País ainda é um dos doze com maior número absoluto de analfabetos e concentra 1,9% da população mundial que não sabe ler e escrever.

Em março de 2007, na cidade do Panamá, 18 países da América Latina incluindo América central, Caribe, a Região Andina e o Cone Sul representados por movimentos e organizações da sociedade civil reuniram-se para discutir a Campanha latino-americana pelo direito à educação convencidos de que a educação é um direito humano fundamental de caráter coletivo. Nessa reunião foi ratificada a Declaração de Santa Cruz, de dezembro de 2003, quanto à relação direta entre o modelo de desenvolvimento baseado na estrutura capitalista neoliberal e as deficiências dos sistemas educativos que reproduzem pobreza, exclusão e discriminação assim como foi ratificada a declaração de Brasília, de novembro de 2004, em que se ressalta a educação como direito humano fundamental que deve ser garantido pelos Estados, como base de um modelo de desenvolvimento comprometido com a justiça, a inclusão social, a equidade, a diversidade e a sustentabilidade ambiental.

Também se discutiu que a educação é um direito humano fundamental de caráter coletivo; os Estados são responsáveis em garantir este direito; o caráter público e gratuito da educação; o caráter integral e interdependente do direito à educação com os demais direitos humanos e com a democracia e o desenvolvimento; a educação como princípio para a transformação social, a dignidade do ser humano e a construção da democracia e justiça social. Rechaçam a privatização das instituições educativas e a redução da educação a um objeto de mercado.

É possível perceber que os organismos internacionais, representantes da ordem imposta pelo capitalismo, temem que a escola pública seja utilizada como instrumento de despertar de consciência. Há o desenvolvimento de inúmeras estratégias para a continuidade da manutenção ideológica e política, em prol da continuidade da sociedade dividida em classes e exploração do trabalho humano.

Sendo assim, a América Latina sofre com as intervenções favoráveis ao domínio do capital, este domínio é histórico e tem suas raízes no modo de produção capitalista, no qual o homem explora o homem e países exploram países em nome da acumulação. O neoliberalismo é a ideologia econômica-política que mantém o capitalismo na contemporaneidade, efetiva o desmonte dos direitos sociais e utiliza estratégias para que o processo educativo mantenha a subalternidade dos países e suas populações.

Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 04 e 11/10/2009.

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