domingo, agosto 23, 2009

A ESCOLA E O PROFESSOR REFLEXIVOS

Ao falarmos sobre a importância de se refletir as ações educativas, convém relembrarmos a entrevista concedida à Denise Pellegrini da Revista Nova Escola (2002, on-line) na qual a educadora portuguesa, Isabel Alarcão, afirmou: “o questionamento deve ser à base do trabalho de todos os professores. Só assim seremos capazes de enfrentar situações novas e de tomar decisões apropriadas".

Os baixos salários justificam o fato de os docentes terem mais de um emprego. Em decorrência disso, sua carga horária semanal excede as quarenta horas que cabe na grade escolar. Por isso, eles não chegam a conhecer os colegas e nem se identificam com a instituição em que lecionam. Essa ‘maratona’ os aliena visto que não têm tempo para planejar suas aulas, para se manterem informados, atualizados e essas questões sócio-econômicas impedem que os professores questionem seu fazer pedagógico, almejem qualificação e ampliem sua visão de mundo.

É grande a dificuldade de reunir o corpo docente para pensar em conjunto e decidir questões. Tudo depende da grade horária. Nos intervalos, alguns se encontram por alguns minutos, que não são suficientes para uma discussão mais profunda. Acabaram-se as aulas, eles vão embora apressados para chegar a outras escolas. Por essas razões, ao se pensar em políticas públicas educativas não se pode negligenciar ou descartar essa realidade, ao contrário deve-se partir dela.

O professor reflexivo é aquele que pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta sua atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e diversos uns dos outros. Pode-se numa mesma escola e até numa mesma turma, utilizarem-se práticas diferentes de acordo com o grupo. O professor que não tem capacidade para analisar a práxis pedagógica é um autômato, alienado, um tecnocrata, um cumpridor de rotinas.

Nóvoa (2001, on-line) em entrevista à TVE Brasil citou John Dewey, pedagogo americano e sociólogo do princípio do século XX que dizia: “quando se afirma que o professor tem 10 anos de experiência, dá para dizer que ele tem 10 anos de experiência ou que ele tem um ano de experiência repetido 10 vezes”. Essa citação ratifica o dito anteriormente: em virtude da excessiva carga horária de trabalho o professor ministra a mesma aula, em contextos diferentes com público-alvo diferente. Mesmo assim, essa heterogeneidade de pessoas e espaços escolares é homogeneizada pelo quefazer diário do docente. Experiência, por si só, pode ser uma mera repetição, uma mera rotina, ela, por si só, não é formadora. Formadora é a reflexão sobre essa experiência, ou a pesquisa sobre essa experiência.

O professor reflexivo deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Não apenas ensinar bem a fazer algumas contas de Matemática ou ler um conto. É preciso ir além, saber o que acontece com o estudante que não aprende a lição, por que ele não a aprende, por que está com ar de sono? Quais são as questões sociais que o enredam? E mais: os currículos estão bem feitos, ou deveriam ser diferentes? A escola está funcionando bem? Pelo visto, há vários níveis de questões e tudo tem de partir de um espírito de interrogação.

O professor sozinho, como ilha, não será capaz de tomar essa atitude e disseminá-la. Esse ‘clima’ de compartilhamento reflexivo de tudo deve estar presente na escola toda. Por analogia com o conceito de professor reflexivo Alarcão (2001, p.25) desenvolve o conceito de escola reflexiva:

organização (escolar) que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo.

Uma escola assim concebida pensa no presente para se projetar no futuro. Envolvendo no processo todos os seus membros, reconhece o valor da aprendizagem que para eles daí resulta. Aberta à comunidade exterior, dialoga com ela. Atenta à comunidade interior, envolve todos na construção do clima de escola, na definição e na realização do seu projeto, na avaliação da sua qualidade educativa.

Da visão sobre a própria escola deriva o seu projeto, que conta com o empenho de cada um, porque foi interativamente construído através do diálogo entre os seus membros, no entrelaçar de estratégias que vão do topo para a base e da base para o topo. Somente um pensamento estratégico permitirá manter a visão de conjunto e enquadrar, no projeto global da escola, os projetos e as atividades complementares. Esse pensamento estratégico não deve prescindir da dimensão ética, valorativa, humana, interpessoal.

Assim, os dirigentes das organizações educativas precisam verticalizar a relação com seus pares para que um clima de confiança, respeito e compromisso se faça sentir, tendo em vista a elaboração do projeto político-pedagógico que delineará onde se está e onde se quer chegar, com a definição dos níveis de execução, atribuição de responsabilidade aos agentes envolvidos, o delineamento da monitorização de todo o processo, inclusive a avaliação dos resultados obtidos. Tudo isso com a finalidade de se alcançar à educação de qualidade para todos.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel. Escola Reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

NÓVOA, Antonio. O professor pesquisador e reflexivo. 2001. Disponível em: < www.tvebrasil.com.br/salto/entrevistas/antonio_novoa.htm - 26k> Acesso em: 2 jul. 2007.

PELLEGRINI, Denise. Refletir na prática. Ago.2002. Disponível em: < novaescola.abril.com.br/ed/154_ago02/html/fala_mestre.htm - 34k> Acesso em: 8 jun. 2007.


Este artigo foi publicado no Jornal O Progresso, no dia 20/09/2009.

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